A questão das traduções bíblicas levanta bastante polêmica. Até que ponto uma tradução é confiável? Há realmente traduções que são feitas para enganar as pessoas?
Pretendo aqui avaliar algumas das principais questões envolvendo traduções bíblicas para poder ajudar o leitor a compreender melhor a questão, numa pequena série de três artigos.
1) Tendência Teológica
É verdade que existem algumas traduções que são tendenciosas e nitidamente procuram defender uma teologia. Darei um exemplo abaixo:
“Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as nações que se esquecem de Deus.” (Salmo 9:17 – Almeida Corrigida e Fiel)
O termo aqui traduzido como “inferno” é, na verdade, o sheol (שאול), que pode ser traduzido como lugar dos mortos. Se esse termo significasse inferno, teríamos um problema, pois é também o lugar para onde vão os justos (vide, por exemplo, Genesis 37:35, Salmo 16:10, etc.)
Porém, ao contrário do que muita gente pensa, não são muitos os lugares em que isso acontece. Mas, de fato, é importantíssimo conhecer os principais, para não cair em erro.
2) Evolução das Palavras
Há casos em que as palavras evoluíram e já não significam mais a mesma coisa. Por exemplo, temos o caso da palavra hebraica mal’akh (מלאך). Essa palavra significa ‘mensageiro’, algo ou alguém que carrega uma mensagem ou executa alguma ordem.
Observe: “Então enviaram mensageiros [mal’akhim – מַלְאָכִים] ao povo de Quiriate-Jearim, dizendo: “Os filisteus devolveram a arca do ETERNO. Venham e a levem para vocês”.” (1 Samuel 6:21)
No grego, essa palavra foi traduzida como angelos (ἄγγελος), que também significava apenas mensageiro. Essa palavra foi transportada para o latim angelus, que também significava a mesma coisa. Essa é a origem do português “anjo”.
Porém, por influência da cultura medieval, quando se fala o termo “anjo”, a maioria das pessoas pensa em um ser de feições humanas, vestes brancas, com asas, livre arbítrio, etc. Praticamente uma pequena divindade! Porque a palavra evoluiu, já não significa hoje o que significava no passado.
Na Bíblia Hebraica, tudo o que executa a vontade do Criador é considerado como um mensageiro. Por exemplo, em 2 Samuel 24:15-17, o mensageiro que estende sua mão sobre Jerusalém é, na realidade, uma praga. Noutros lugares, como em Gênesis 31:11, é uma visão em um sonho, e assim por diante.
É culpa dos tradutores? Nem sempre. Pelo menos, pode-se dizer que não dos tradutores mais antigos, pois as palavras mudam de sentido, evoluem. Hoje, palavras como “alma”, “espírito”, entre outras não significam mais o que outrora significaram.
3) Dificuldade de Traduzir
Há casos em que determinados termos podem ser de difícil tradução. Observe o texto de Oséias 12:7:
“Quanto a Canaã, tem nas mãos balança enganadora; ama a opressão.” (Almeida Revisada)
“É um mercador; tem nas mãos uma balança enganosa; ama a opressão.” (Almeida Corrigida e Fiel)
Na verdade, o que acontece aqui é que o termo hebraico kena`an (כְּנַעַן) pode ser traduzido tanto como “Canaã” quanto como “mercador”, porque como as cidades costeiras de Canaã eram mercadoras, os termos se tornaram sinônimos.
Assim sendo, ambas as interpretações são possíveis. E ao tradutor não resta outra saída que não escolher uma das duas, mesmo quando não esteja muito claro qual delas é a mais adequada.
Como se pode perceber, nem sempre a questão é teológica. No próximo artigo, veremos mais algumas das questões que existem e, na terceira parte, como evitar que uma tradução bíblica te traga um entendimento errado das Escrituras.