A Religião do “Porque sim!”

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Você provavelmente já ouviu algo parecido. Talvez não com essas exatas palavras, mas certamente alguém já te colocou alguma coisa absurda como sendo a vontade do Criador. E basicamente te disse: Porque sim.

E lá se vão coisas como maquiagem, calças jeans, imutabilidade absoluta de datas festivas, ritualística exacerbada, posicionamento medieval frente à vida moderna, entre outros. Puro fanatismo de pessoas que não entendem as Escrituras, e que só se sentem seguras se seguirem regras sem qualquer compreensão.

Muitas vezes, nem mesmo no texto bíblico encontramos fundamento para essas coisas. Todos os exemplos que citei, não por acaso, são coisas que na narrativa da Bíblia Hebraica se apresentam bem mais flexíveis e moderadas até mesmo do que as práticas da atualidade.

Será que, realmente, existe o “porque sim” na Bíblia? Vejamos o que dizem as Escrituras acerca dos mandamentos:

“Eis que vos ensinei estatutos e juízos, assim como o ETERNO meu Senhor me ordenou, para que assim os observeis no meio da terra, na qual estais entrando para a possuirdes. Observai-os e cumpri-os, porque isso é a vossa sabedoria e o vosso entendimento à vista dos povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente esta grande nação é povo sábio e entendido!” (Deuteronômio 4:5,6)

Essa é uma promessa bíblica: Guarde os mandamentos, e os demais povos vos terão como povo sábio e entendido.

Se as pessoas olham e pensam: “Que coisa mais ignorante, radical e primitiva!” então tem alguma coisa errada. Das duas uma: Ou o Senhor não está cumprindo a sua promessa, ou as pessoas pensam que estão cumprindo os mandamentos, mas só estão dando bola fora.

A verdade é que uma grande parte das pessoas, mesmo bem intencionada, quer praticar sem entender. Quer obedecer, mas tem preguiça (ou medo) de pensar e de entender os objetivos do Criador.

Se você se pergunta: O que muda pro Criador se eu fizer isso? Você está fazendo uma ótima pergunta! Todos os mandamentos foram dados por nossa causa, e para o nosso bem. E, todos eles têm uma boa razão para terem sido dados.

Quase mil anos atrás, Maimônides, o maior sábio judeu pós-exílico de todos os tempos, já afirmava categoricamente: Todos os mandamentos têm um bom motivo. O Dr. Kenneth Seesk, da Universidade de Cambridge, resume bem o pensamento de Maimônides:

“Aqueles que abandonam sua razão e sentidos quando interpretam a Bíblia – a posição do fundamentalismo ou do fideismo verbalístico – não estão de fato demonstrando nenhuma honra à autoridade.

Eles estão na verdade distorcendo o sentido autêntico das Escrituras… ao se recusarem a utilizar as faculdades da mente dadas por Deus.” (The Cambridge Companion to Maimonides – Kenneth Seeskin – Cambridge University Press, 2005)

Em outras palavras, adotar o fundamentalismo irracional do “porque sim” não é espiritualidade, nem é honrar o Criador. Muito pelo contrário, é fazer dEle mentiroso, pois Ele disse que a obediência aos Seus preceitos levaria à admiração quanto à sabedoria.

Sempre que você for ler a Bíblia, questione: Por que o Criador ordenou isso? O que Ele estava tentando ensinar? Qual o problema da atitude X? Onde está a essência da coisa?

Se você fizer essas perguntas, entenderá porque tantas vezes os mandamentos eram tomados com boas doses de flexibilidade.

Entenderá, por exemplo, porque a Bíblia Hebraica determina data para festividades, mas provê uma segunda chance pra quem perdeu a data (Nm. 9:6-13), ou porque a Bíblia Hebraica determina que sacrifícios só deveriam ser feitos no Tabernáculo ou no Templo (Lv. 17:2-4; Dt. 12:5-7) mas, ao mesmo tempo, o profeta Elias ofereceu sacrifício fora de tal lugar, no monte Carmelo (1 Rs. 18).

Se estudar, por exemplo, as críticas de Is. 1:11-18, entenderá que ritualística, para o Criador, era algo totalmente secundário. E a lista poderia continuar. Mesmo nos tempos bíblicos, inúmeras práticas sofreram adaptações, porque mudou o tempo, mudaram as pessoas, e mudaram os problemas.

Todas essas respostas estão na Bíblia, mas para que elas cheguem até você, é preciso abdicar da “religião do porque sim”, e parar de tratar a Bíblia como um conjunto de podes e não podes, e tentar entender a lógica das coisas.

A partir daí, você pode extrair a essência e aplicá-la à sua realidade. E, realmente, obedecer o Criador com consciência.