A Criação da Mulher – Parte 3: O Domínio do Homem

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“E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua gestação; com dor darás à luz filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará.” (Gn. 3:16)

Por não compreender o versículo acima, infelizmente muitas religiões perpetuam um modelo de dominação do homem à mulher, achando que ele encontra fundamento no texto bíblico.

A primeira coisa que devemos compreender, dessa passagem, é o contexto. Lembre-se: O homem e a mulher haviam pecado. Pouco tempo antes, o Senhor disse à serpente: “Porquanto fizeste isso, maldita serás tu dentre todos os animais domésticos, e dentre todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida.” (Gn. 3:14)

Em outras palavras, a Bíblia aqui não está falando de como as coisas têm que ser. A Bíblia está falando de maldições. De coisas terríveis que ocorreram em decorrência da transgressão.

Você seria contra uma mulher tomar remédio para dor (claro, com acompanhamento médico), em sua gestação, porque a Bíblia diz que a gestação seria de dores? É claro que não!

Semelhantemente, você é contra os avanços tecnológicos que tornam o trabalho do homem menos cansativo, ou a terra mais produtiva, simplesmente por fazer parte da maldição dada ao homem? Novamente, a resposta óbvia é: Não!

Então, por que só a maldição do domínio da mulher pelo homem é tomada por alguns como algo positivo, ou uma espécie de destino inevitável da mulher? Se fôssemos entender assim, seríamos culpados de sermos seletivos e tendenciosos. Que é exatamente o que as religiões costumam ser (e fazer) com a Bíblia!)

Vale ainda também ressaltar que a mulher não foi LITERALMENTE amaldiçoada, pois a narrativa é figurativa. Ou alguém realmente acha que o texto que fala de árvore com fruto do conhecimento, árvore da vida, espada flamejante e serpentes falantes, cheio de trocadilhos poéticos no original hebraico, é um texto literal?

Mas, então, por que a Bíblia descreve que a mulher foi assim amaldiçoada?

Descrever como maldição é justamente a forma que a Bíblia tinha de dizer: Isso não é normal! Não foi assim que Deus desejou que as coisas fossem. E, ao fazer isso, a Bíblia justamente está convocando a humanidade a ser melhor do que isso, a transcender essas coisas.

Pra entender, é preciso primeiro compreender o que significa a frase “seu desejo será para o seu marido.” A palavra desejo aqui usada só aparece três vezes na Bíblia. Uma em Cantares, em contexto positivo e outra no próprio Gênesis, em contexto negativo. Se aqui temos uma maldição, obviamente o contexto não é positivo. Observe:

“Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar.” (Gênesis 4:7)

Repare que a frase – usada para Caim – é quase idêntica à de Gênesis 3:16 e, como tal, nos ajuda a compreender o texto anterior, pois trata-se da mesma disputa de poder.

Ou seja, o que a Bíblia está dizendo em Gn. 3:16? Que a mulher teria o desejo de dominar seu marido. Mas que ela acabaria sendo dominada por ele!

O casal – homem e mulher – viveria com um querendo ser superior ao outro. E o homem conseguiria subjugar a mulher. Mas, o desejo de Deus não era esse, mas sim o de que homem e mulher vivessem como co-iguais. (vide parte 1 deste estudo).

Podemos dizer, socialmente falando, que tanto o machismo histórico quanto o feminismo extremista (i.e. aquele que deprecia o homem ao invés de fortalecer a figura da mulher e buscar o equilíbrio) são desvios dos propósitos de Deus.

E, por que, a Bíblia compara o machismo com a gestação em Gn. 3:16? A resposta é simples: Porque o ser humano já via as dores de parto como algo ruim, que precisava ser aliviado. Afinal, para ajudar à mulher e filho, eles recorriam a tudo: Ervas anestésicas, parteiras, e até orações.

Ou seja, a Bíblia está dizendo que o ser humano: Da mesma forma que vocês tratam a gravidez, deveriam também tratar a questão da sociedade machista. Como um problema, e não como uma coisa positiva!

No antigo Oriente Médio, a mulher era totalmente dominada. Observe esse antigo texto babilônio, por exemplo:

“No dia em que U [a mulher] não estiver em harmonia com Q [o homem], Q poderá vender U.” (Contrato de Casamento – Antiga Babilônia – Fragmento BDHP 39)

Se uma mulher desagradasse seu marido, poderia ser vendida! E textos sumérios e cananeus semelhantes indicam que os maridos podiam matar suas esposas, maltratá-las, torturá-las e até matá-las ao seu bel prazer!

A Bíblia chamou isso de maldição porque queria que os israelitas reconhecessem que isso não é normal. Afinal, devemos buscar sair da maldição para a bênção!

Infelizmente, por quererem justificar o machismo como a ordem natural das coisas, as religiões distorceram por completo o texto bíblico, transformando maldição em bênção, e uma coisa descrita como tão ruim quanto sentir dores de parto (a pior dor física que o ser humano pode sentir!) em uma coisa positiva.

Enquanto o ser humano não compreender que homem e mulher foram criados para viver em equilíbrio e no mesmo nível em termos de equidade, não haverá como agradar o ser humano agradar ao Senhor, ou retornar ao estado primordial da bênção, tal qual descrito na narrativa do Éden.