Introdução
“Os gileaditas tomaram as passagens do Jordão que conduziam a Efraim. Sempre que um fugitivo de Efraim dizia: “Deixem-me atravessar”, os homens de Gileade perguntavam: “Você é efraimita? ” Se respondesse que não, diziam “Então diga: ‘Chibolete’ “. Se ele dissesse: “Sibolete”, sem conseguir pronunciar corretamente a palavra, prendiam-no e matavam-no no lugar de passagem do Jordão. Quarenta e dois mil efraimitas foram mortos naquela ocasião.” (Juízes 12:5-6)
O livro de Juízes provavelmente é um dos mais sangrentos e impactantes da Bíblia Hebraica, porque mostra justamente a descida até o fundo do poço da espiritualidade em Israel, no fim da Era dos Juízes, antes da Monarquia se estabelecer.
Nesse episódio, por causa da rivalidade entre os gileaditas e os efraimitas, as pessoas eram mortas quando tentavam atravessar um território, simplesmente por pronunciar a letra Shin (ש) com som de /s/ (como na palavra ‘Israel’) ao invés de /ʃ/ (como na palavra ‘shalom’). Porque a maneira de falar indicava, para eles, o rótulo regional.
A Humanidade Polarizada
Passadas algumas dezenas de séculos, a humanidade ainda continua se degladiando por causa de rótulos. Dividimo-nos em religiões, em grupos étnicos, em ideologias, enfim, em todo tipo de tribalismo que possamos imaginar.
Se você vivesse nos tempos dos juízes de Israel entre os gileaditas, provavelmente você mataria um efraimita se o visse. Se vivesse entre os efraimitas, faria o mesmo com os gileaditas. Simplesmente porque você foi rotulado como parte de um grupo e ele como outro.
Não podemos escolher todos os rótulos como, por exemplo, a nacionalidade, mas devemos tomar cuidado para não adquirir mais rótulos do que precisamos.
É tentador adotarmos rótulos, porque o ser humano está sempre em busca de identidade. Fazemos isso o tempo todo, com times de futebol, com agremiações políticas, com ideologias pessoais, com religião, entre outros. Porque sempre queremos perten’cer a alguma coisa.
O grande problema dos rótulos é que eles podem ser extremamente alienadores e violentos para com quem os adota.
Tomemos com exemplo a política: Uma pessoa que passa a se alinhar politicamente com a esquerda passará a ler fontes de esquerda, ver canais de esquerda no Youtube e talvez ganhe, com isso, um núcleo social. Mas, logo virá o preço: Ela se sentirá compelida a defender atos cometidos por pessoas de esquerda mesmo quando são atos nitidamente ruins. Ela acabará se afastando de pessoas que ama, porque elas não pertencem ao grupo dela. E ela terá os ‘demônios ideológicos’ a combater. E se perguntará, perplexa, como alguém próximo a ela pode ser ’tão cego’ ou ‘tão maligno’?
Agora troque a palavra ‘esquerda’ por ‘direita’ e releia o parágrafo acima. Continua sendo tão verdadeiro quanto. Ou troque por ‘Catolicismo’, ‘Judaísmo’, ‘Liberalismo’, ‘Conservadorismo’. Mesmo dentro de nichos de especialização, isso acontece. Por exemplo, na Psicologia, há uma disputa entre as vertentes comportamentais e as da psicologia profunda, que por vezes chegam também nisso.
O erro, então, está no rótulo? Claro que não! O erro está em fazer do rótulo algo que define você, ao ponto que tudo aquilo que você respira passa pelo filtro do rótulo.
Se os gileaditas não aceitassem cegamente aquilo que seus líderes colocavam, poderiam refletir e dizer: “Não é certo matar um irmão simplesmente porque nasceu noutra região de Israel!” Poderiam continuar sendo gileaditas, porém com um desprendimento suficiente que lhes permitisse enxergar coisas maiores.
Você já reparou que existe um esforço enorme, e de todas as partes, para polarizar você e sua opinião num extremo ou noutro? Por que será? Ou, melhor dizendo, a quem interessa isso?
Polarizados e Manipulados
A resposta é simples de entender: É mais fácil manipular quem é polarizado. Se alguém sabe a que polo você pertence, pode manipular você usando coisas que te farão ficar feliz, revoltado, enfim, que agitarão o seu emocional. E, mesmo dando a impressão de que você está sendo iluminado, manipulam ao seu bel prazer.
Um exemplo inteligentíssimo de como é fácil manipular uma pessoa polarizada pode ser visto neste antigo desenho do Pernalonga e do Patolino. Repare como o Pernalonga, que não é polarizado, sempre manipula o polarizado Patolino:
Agora pense nas eleições, sejam elas municipais, estaduais ou federais. Geralmente, no segundo turno, o país se divide e os adversários se agridem mutuamente de forma até pesada. Se você for observar quem financia os candidatos, perceberá que frequentemente eles financiam (direta ou indiretamente) os dois lados. Qual o sentido disso?
Novamente, a razão é simples: Enquanto a população se divide entre os dois fantoches, o iluminado marionetista desvia o foco dele próprio. Ele não quer que você saiba quem realmente manda, nos bastidores.
Ou tome ainda dois países que vivem em guerra: Frequentemente criam uma relação de co-dependência. Enquanto a população está enfurecida com o país Y, não se foca na corrupção do governo do país X. E vice-versa. Há até filmes sobre isso, como o brilhante filme “Mera Coincidência” (no inglês, Wag the Dog).
Por fim, tomemos as religiões: Enquanto os líderes te convencem que o perigo está na religião do vizinho, ou em demônios, ou nas práticas equivocadas do outro grupo, ocultam sua tirania, seu amplo domínio sobre o povo, entre outros.
Uma pessoa que não é polarizada é muito mais difícil de ser controlada, porque ela não é facilmente manipulada a desviar sua atenção, nem engolirá qualquer informação sem uma contra-partida.
Mas, fica a pergunta: Como se despolarizar? O roteiro abaixo pode ajudar: