Entenda os Manuscritos da Bíblia Hebraica – Parte II

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No último artigo, falamos sobre os principais manuscritos da Bíblia Hebraica, sua origem, importância e os pontos fortes e fracos de cada um. Se você ainda não leu a primeira parte, clique aqui.

Hoje analisaremos mais três fontes secundárias, que também podem ajudar na compreensão da Bíblia Hebraica.

Peshitta Aramaica (séculos 1 d.e.c. a 2 d.e.c.)
No aramaico, Peshitta significa ‘simples’, e se refere a uma tradução simples da Bíblia feita para essa língua. Essa tradução surgiu entre os judeus de Edessa, que falavam siríaco, por volta dos dois primeiros séculos da era comum. A maior parte dos livros foi traduzida do grego da Septuaginta, porém, houve também influência de manuscritos aramaico. Por exemplo, o livro apócrifo de Ben Sira (Eclesiástico) foi traduzido diretamente do hebraico.

Ponto Forte: A Peshitta é da família da Septuaginta e ajuda a dirimir dúvidas sobre a mesma. Como o hebraico estava disponível na época de sua composição, alguns trechos foram ajustados para concordar ou com o Texto Massorético, ou com a versão hebraica que deu origem à Septuaginta. Serve, portanto, como testemunha adicional em trechos onde a variação seja maior.

Ponto Fraco: Na melhor das hipóteses, o texto da Peshitta é uma tradução, do hebraico para o aramaico. Na pior, pode ser uma tradução da tradução, isto é, do hebraico para o grego e do grego para o aramaico. Sendo assim, não é uma boa versão para se tornar texto base de uma tradução para o português.

Vulgata Latina (séculos 4 d.e.c.)
A Vulgata é uma tradução que por muito tempo foi a versão oficial da Igreja Católica Romana, comissionada pelo papa Damásio I a Jerônimo. Ela se baseia em partes no Texto Massorético e em outras na Septuaginta. Essa versão tornou-se base de muitas outras traduções, até ser substituída pela tendência mais moderna de buscar textos mais originais.

Ponto Forte: Foi a primeira tradução da Bíblia Hebraica para uma língua mais próxima ao português. Isso ajuda a entender como no passado determinados trechos eram traduzidos. Além disso, serve de testemunho adicional de como eram os textos mais antigos da Septuaginta e do Texto Massorético.

Ponto Fraco: E exemplo da Peshitta, trata-se de uma tradução de tradução em muitos pontos. Além disso, por vezes até a interpretação de Jerônimo foi suplantada em prol de um texto mais de acordo com a visão oficial da Igreja Católica. Assim sendo, não deve ser tomado como texto base de uma tradução.

Targum Onquelos (séculos 1 d.e.c a 3 d.e.c.)
O Targum Onquelos é uma tradução importante do Pentateuco para o aramaico. Targum, no aramaico, significa literalmente “tradução”. Costuma ser atribuída a um suposto prosélito denominado Onquelos, embora outros o atribuam a Aquila, discípulo de Akiva. Essa tradução é altamente parafraseada, e o autor toma várias liberdades para poder ajustar o texto à sua interpretação. O objetivo não era produzir uma versão da Bíblia, mas sim torná-la de fácil entendimento para o povo menos esclarecido.

Ponto Forte: Baseada no Texto Massorético, pode ajudar a compreender determinadas palavras mais difíceis, proporcionando um equivalente aramaico. Além disso, tem a importância histórica de ajudar a compreender como os judeus dos tempos do Segundo Templo compreendiam as Escrituras.

Ponto Fraco: Como o texto é bastante parafraseado, não permite que seja tomado nem como texto base nem como referência de texto crítico. Afinal, o objetivo do Targum Onquelos não era ser qualquer dessas coisas.

Outros Textos
Existem outros textos de menor importância, que não foram aqui citados por questão de brevidade. Há manuscritos em árabe, há também outros targumim, já muito posteriores e repletos de folclore, cuja utilidade acaba sendo menor.

O objetivo desta série não foi esgotar o tema, mas sim apresentar as principais fontes, para que o leitor entenda de onde vem as Escrituras e porque determinados trechos apresentam detalhes diferentes.

Conselho Final
Permito-me ainda um conselho ao leitor que queira se aprofundar mais nos seus estudos bíblicos: Tenha sempre em mãos pelo menos uma Bíblia que traga as alternativas de outros manuscritos como notas de rodapé.

Um exemplo disso é a Bíblia de Jerusalém. Mesmo sendo um texto católico, a parte que compete à Bíblia Hebraica é talvez a melhor alternativa que existe para nós monoteístas, não só porque é um trabalho acadêmico que é pouco tendencioso à religião, como também por apresentar justamente as variantes textuais de forma magnífica.

Se o leitor conhecer o inglês, a obra The Dead Sea Scrolls Bible é também de suma importância, por trazer uma comparação entre as diferentes versões encontradas nas cavernas do Mar Morto, como também por compará-las aos textos mais clássicos.