Estariam as Leis Bíblicas Obsoletas?

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Recentemente postei um artigo sobre o direito das mulheres, mostrando como a Bíblia Hebraica melhorou – e muito – a condição das mulheres no antigo Oriente Médio.

Várias pessoas me responderam dando a entender que a Bíblia Hebraica já teve boas leis nesse sentido no passado, mas que hoje teríamos leis muito melhores para assegurar o direito à mulher. E isso levanta uma questão interessante: Estariam as leis bíblicas obsoletas?

A resposta curta é ‘Não’. Mas a resposta curta não é suficiente para fazer frente a um tema tão complexo.

Na cultura do antigo Oriente Médio, o sacerdócio era transmitido aos primogênitos. Originalmente, esse era o plano do Eterno para Israel. Porém, em dado momento Ele diz: “E tomei os levitas em lugar de todo o primogênito entre os filhos de Israel.” (Nm. 8:18). Isso aconteceu depois do pecado do bezerro de ouro.

Por que o Eterno fez isso? Porque, pra Ele, não muda nada quem está à frente do sacerdócio. O importante era que as pessoas que o fizessem fossem fiéis a Ele, algo que a tribo de Levi demonstrou ser na ocasião (vide Ex. 32).

Originalmente, o Eterno ordenou aos israelitas que celebrassem a Páscoa no primeiro mês do ano. Diante, contudo, da impossibilidade de alguns homens de fazê-lo, o Eterno disse: “No mês segundo, no dia catorze à tarde, a celebrarão; com pães ázimos e ervas amargas a comerão.” (Nm. 9:11)

Por que Ele permitiu isso? Porque o espírito da coisa não era o dia nem o mês, mas sim a celebração ao Eterno quanto à liberdade conquistada.

Num primeiro momento, nada foi dito sobre a herança às mulheres. Porém, quando surgiu necessidade de abordar isso, e as filhas de Zelofeade questionaram Moisés, o Eterno disse: “As filhas de Zelofeade falam o que é justo.” (Nm. 27:7)

Por que Ele ensinou isso apenas nesse momento? Porque foi quando o povo estava em condições de compreender e aceitar aquilo que o Eterno já dizia desde o Gênesis, isto é, que homens e mulheres são iguais aos olhos dEle.

Quando estavam prestes a entrar na terra da promessa, homens da tribo de Rúbem e Gade pediram para ficar com as terras do lado leste do Jordão, que não eram o plano original do Eterno. Moisés disse que não haveria problema, desde que eles ajudassem na conquista da terra prometida (Nm. 32:23)

Por que o Eterno não se irou? Porque eles realmente gostaram da terra e pediram permissão antes de fazer. E se comprometeram a realizar o plano original. Não haveria porque o Eterno se irar simplesmente porque eles gostaram mais da margem oriental do rio.

Por fim, outro exemplo clássico: O Eterno mandou que fosse construído um Tabernáculo. No entanto, o rei Davi quis honrá-lo com a construção de um Templo, dizendo: “Eis que moro em casa de cedro, mas a arca da aliança do ETERNO está debaixo de cortinas.” (1 Cr. 17ab) E o Eterno permitiu que Salomão, seu filho, construísse o Templo.

Por que o Eterno permitiu isso? Porque ele entendeu o desejo de David de honrá-lo. E, para Ele, o importante não era se as paredes eram de madeira ou de pedra, se o Tabernáculo era móvel ou não, mas sim se os israelitas voltariam seu coração para Ele.

Quando olhamos para todas essas coisas, percebemos algo importante: Mesmo as próprias leis e desígnios do Eterno mudam, de acordo com as circunstâncias. Mas não é a essência que muda e sim a aplicação, porque mudam as circunstâncias.

Evidentemente, não se pode imaginar que a forma de aplicar a essência dos ensinamentos bíblicos no semi-árido do Oriente Médio de 4 mil anos atrás será idêntica à de uma cidade grande, ocidental, no século 21! Não porque o Eterno mudou de ideia, mas porque as circunstâncias mudaram radicalmente.

Afinal, até dentro da própria Bíblia Hebraica a aplicação das leis mudou com o tempo!

Portanto, as leis bíblicas não estão obsoletas se entendermos que elas têm dois lados: um externo e outro interno. O externo pode e deve mudar, pois depende das circunstâncias. Mas o interno, a essência daquilo que o Eterno espera de nós, é o que realmente importa.

Tome por exemplo o caso da Páscoa: O que importava para o Eterno era que a festa fosse exatamente no décimo-quinto dia do mês? É óbvio que não! A data, inclusive, tinha a ver com o ciclo agrário e com a colheita, não era um evento astrológico. O que importava para ele era o sentimento de alegria e gratidão pela libertação e pelo sustento, bem como a disposição dos israelitas de celebrar isso perante Ele.

Várias vezes nos profetas, o Eterno deixou claro que o importante é o interno. Como, por exemplo, quando disse aos israelitas, para pararem de achar que o Eterno queria sacrifícios no Templo, dizendo: “Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.” (Is. 1:17)

Por fim, concluo dizendo: Os dois extremos são ruins, e se distanciam totalmente do entendimento das Escrituras.

Se, por um lado, o extremo do fundamentalismo que acredita que o mundo não muda e que para viver as leis bíblicas é preciso viver no passado está totalmente distante até da narrativa bíblica, por outro, achar também que as leis bíblicas são obsoletas é igualmente errado, pois é ignorar a essência por trás dos ensinamentos.

Curiosamente, esses dois extremos são dois lados de uma mesma moeda e erram na mesma coisa: Achar que as leis bíblicas se resumem ao seu aspecto exterior. E isso é bastante equivocado quando observamos todo o contexto das Escrituras.