No Fundo do Poço

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“Chegando José, seus irmãos lhe arrancaram a túnica longa, agarraram-no e o jogaram no poço, que estava vazio e sem água.” (Gênesis 37:23,24)

Traído por seus irmãos, jogado à própria sorte num poço, sem saber se iria morrer ou, talvez, coisa pior. Em todos os sentidos, pode-se dizer que, nesse episódio, o patriarca José chegou ao fundo do poço.

Essa não seria a única vez em que isso ocorreria. Quando parecia que tudo ia melhorar para José, tendo chegado a ser mordomo do Potifar no Egito, a Bíblia Hebraica diz que a mulher do Potifar seduziu José. Inconformada com a recusa dele, acusou injustamente de tentar molestá-la, e o resultado foi o seguinte:

“Mandou buscar José e lançou-o na prisão em que eram postos os prisioneiros do rei.” (Gênesis 39:20)

Mais uma vez, José chegava, proverbialmente, ao fundo do poço. A prisão significava que José poderia jamais voltar a ser livre. Ou que poderia vir até a ser morto.

Mas, havia um propósito para tudo isso.

Foi graças a José ter chegado no fundo do poço com seus irmãos, que ele foi parar no Egito. Foi graças a José ter chegado, proverbialmente, no fundo do poço após ser jogado na prisão, que ele ficou conhecendo o copeiro que lhe apresentaria ao faraó.

E, devido a tudo isso, José conseguiu salvar não apenas a sua família da fome, como também as famílias de milhares e milhares de egípcios. E José ainda terminou sua vida gozando de prosperidade e reconhecimento. Mas, nada disso teria sido possível sem que José tivesse chegado, por duas vezes, ao fundo do poço.

O próprio José reconheceu isso quando, num ato de grandeza, perdoou seus irmãos, dizendo:

“Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que o Senhor me enviou adiante de vós.” (Gênesis 45:5)

Embora não de forma tão literal quanto na narrativa de José, lembro-me de algumas vezes na vida que cheguei ao fundo do poço. E, talvez você que esteja lendo, também se recorde de algumas ocasiões em que isso ocorreu.

E, olhando para todas as vezes em que isso aconteceu, consigo perceber o propósito do Eterno. O entendimento, contudo, não veio de forma imediata, apenas anos depois, exatamente como no caso de José.

Certa vez, cheguei ao fundo do poço num relacionamento amoroso abusivo. Se não fosse por isso, não teria amadurecido o suficiente para saber reconhecer exatamente aquilo que eu estava procurando numa companhia.

Noutra ocasião, cheguei financeiramente ao fundo do poço. Ao ponto de depender de terceiros até para comer. Se isso não tivesse acontecido, eu não teria mudado de área profissional, o que me possibilitou estar muito mais realizado.

Se hoje escrevo textos e dou aulas sobre a Bíblia Hebraica, é resultado direto de ter chegado espiritualmente ao fundo do poço, entre desilusões e decepções com as religiões. Tudo isso me tornou bem mais livre e próximo do Criador, mas foi um processo que teve início na dor.

De forma semelhante, quando cheguei ao fundo do poço emocionalmente, já mal tendo forças para viver, é que encontrei na Psicanálise algo transformador, que hoje me permite também ajudar inúmeras pessoas. Mais uma vez, vejo o propósito do Eterno.

Eu poderia citar ainda inúmeros outros momentos na minha vida em que cheguei ao fundo de alguns poços proverbiais. Na vida, dificilmente se conquista alguma coisa sem derramar uma boa dose de lágrimas. Porque as lágrimas são a água que rega a semente do nosso potencial, transformando-a em crescimento.

Mas todas essas ocasiões tiveram algo em comum: Em quase todas, eu “briguei” com o Eterno, me desesperei, chorei, tive momentos de profundo abatimento e de desejo até de morrer. Porque em nenhuma dessas vezes o propósito ficou claro no momento em que eu passava pelo fundo do poço.

Da mesma forma que José só pôde, realmente, compreender os planos do Eterno anos depois de ter passado pela pior fase de sua vida.

Essas experiências também servem para fortalecer a nossa fé. Para que, na próxima vez que um poço estiver adiante de nosso caminho, possamos dizer: “Eterno, se for para o meu crescimento, sê comigo até que eu possa compreender!”

Se você, portanto, está hoje lidando com o fundo do poço, lembre-se disso. Nas Escrituras, o fundo do poço é apenas o nascedouro de coisas grandiosas, regadas muitas vezes por lágrimas e suor, mas sempre dando frutos que valem o plantio.

Mas é importante se recordar que, mesmo no fundo do poço, o Eterno estava lá, amparando José, conforme é dito: “José ficou na prisão, mas o ETERNO estava com ele e o tratou com bondade, concedendo-lhe a simpatia do carcereiro.” (Gênesis 39:20b-21)

Seja forte, portanto, e confie que o Eterno está com você a todo momento. A história jamais termina no fundo do poço.