“Com sabedoria se constrói a casa, e com discernimento se consolida.” (Provérbios 24:3)
Assim como outras que já publiquei aqui, ela será encarada com relativa naturalidade por aqueles que vivenciam uma espiritualidade mais racional. Porém, causou choque para os fundamentalistas e os excessivamente dogmáticos.
Muita gente pensava que pessoas religiosas se divorciavam menos. Ou ainda, que os valores que muitas religiões transmitiram como se fossem bíblicos, eram a fórmula para uma família feliz, estável e bem estruturada. Porém, essa era apenas mais uma percepção equivocada.
A geração Y, também chamada de milênicos (do inglês millennials) é aquela que viveu sua infância na década de 80, tendo atingido a maioridade por volta do milênio. Os pais dessa geração, na maioria das vezes, são da geração chamada de “baby boomers”.
Segundo as estatísticas do respeitadíssimo Pew Research Institute, em comparação com a geração de seus pais, a geração Y é tão espiritualizada quanto. Porém, é uma geração bem menos dogmática e bem menos dada a dogmas, ou mesmo a se tornar membros de denominações religiosas. (Você pode ver essas estatísticas neste link)
Pela lógica fundamentalista, esperava-se, portanto, que tais pessoas tivessem famílias bem mais disfuncionais. E, em particular, que sem a pressão religiosa sobre a moralidade sexual e de relacionamento, as pessoas dessa geração se divorciassem muito mais do que as anteriores.
Porém, o que está acontecendo é exatamente o contrário! Estatísticas obtidas pelo pesquisador judeu Phillip Cohen, da prestigiada University of Maryland, mostram que a geração Y tem, em média, se divorciado 18% menos do que as gerações anteriores, tais como a geração X, ou mesmo a geração de seus pais! Uma mudança de 18% é bastante significativa. (O estudo pode ser visto aqui)
Esse estudo, publicado em junho de 2019, confirma uma pesquisa anterior de 2018, do Barna Research Group, que já mostrava que os índices de divórcio são maiores entre os cristãos mais religiosos. (Link aqui) O estudo de Cohen já não abrange apenas o Cristianismo, mas a geração como um todo.
Neste ponto do artigo, só existem duas reações possíveis. Os fundamentalistas esbravejarão que tal coisa é algum tipo de mentira satânica, ao passo que as pessoas razoáveis farão a única pergunta inteligente a ser feita: Como compreender o que está acontecendo?
A resposta é bastante simples: A geração dos baby boomers cresceu com uma pressão violenta sobre sua vida amorosa e sexual. São pessoas que foram instruídas a casar-se rapidamente para poder constituir família, pois era isso que supostamente o Eterno esperava delas.
Da mesma forma, muitas dessas pessoas, se desejassem ter algum tipo de envolvimento religioso, tinham logo que se casar, pois qualquer prática além de conversar com o sexo oposto já era vista como luxúria e depravação. E as pessoas, por pressão, acabavam se casando bem mais cedo.
O problema é que os baby boomers já pegaram o mundo consideravelmente diferente de seus pais. A humanidade mudou muito desde a Revolução Industrial, as grandes guerras, etc.
Antigamente, as pessoas morriam muito cedo. Hoje, a humanidade vive muito mais. Da mesma forma, a humanidade hoje estuda muito mais. Universidades deixaram de ser algo para a nata da elite e passaram a ser muito mais populares. De modo que, se antigamente as pessoas começavam a vida adulta aos 18 anos, cada vez mais as pessoas hoje começam a vida mais tarde.
Minha avó materna, que tem mais de 90 anos, casou-se aos 16, logo depois de concluir o ensino médio. Meu avô tinha 21 anos e já estava em carreira militar. Minha mãe, em contrapartida, já saiu de casa formada em Medicina. Foi uma das últimas dentre suas amigas a se casar, aos 28 anos.
Hoje em dia, é absolutamente normal encontrar pessoas acima dos 30 anos ainda solteiras. Ao passo que um casal com 16 e 21 já é praticamente impensável no mundo moderno, na civilização ocidental.
O que aconteceu, portanto, com os baby boomers?
A pressão dos dogmas religiosos fazia com que muitos se casassem mais apressadamente. Viam no casamento a única solução para poderem ter uma vida amorosa, tanto afetiva quanto sexual.
Isso é bastante complicado em um mundo onde cada vez mais as pessoas se casam mais tarde. Afinal, exigir virgindade ou mesmo “fazer a corte” para um adolescente é uma coisa. Já exigir isso de uma pessoa com mais de 30 anos é absolutamente bizarro.
Além disso, os baby boomers têm poucos casos de pais divorciados. Novamente por pressão religiosa, os seus pais não se separavam nem mesmo se estivessem no mais terrível ou infeliz dos casamentos. Por essa razão, muitos “baby boomers” foram os primeiros divorciados em muito tempo. E eles não conheciam o impacto que isso teria sobre a vida dos filhos.
Como a geração Y é menos religiosa, embora não menos espiritualizada, as pessoas já não cresceram com toda essa pressão de que tinham que se casar para resolver essa questão.
Além disso, muitos da geração Y são filhos de pais divorciados, ou pelo menos viram de perto essa situação, entre amigos e familiares. E conseguiram perceber os efeitos disso.
Por causa disso, a geração Y é muito mais cautelosa ao se casar. Muito mais gente na geração Y só se casa quando está financeiramente pronto para isso, depois de estudar e se estruturar, e apenas quando tem certeza de que encontrou a pessoa certa.
Em suma: Por pressão dogmática, os “baby boomers” se apressaram muito mais para se casar. E, ao fazer isso, criaram para si armadilhas. Um casamento apressado e feito sem pensar acaba dando errado. Por essa razão, os casamentos são mais infelizes e as taxas de divórcio são muito maiores.
Os dogmas religiosos, portanto, prestaram um enorme desserviço à humanidade, sendo responsáveis por um grande contingente de casamentos precipitados.
Afinal, a própria Bíblia Hebraica ensina:
“Eu, a sabedoria, moro com a prudência, e tenho o conhecimento que vem do bom senso.” (Provérbios 8:12)
Mas, o leitor poderia perguntar: Esses dogmas religiosos não vêm da própria Bíblia Hebraica?
A resposta, surpreendentemente, é um sonoro NÃO!
Como já disse na palestra “Relacionamento e Sexualidade à Luz das Escrituras” (que pode ser vista neste link), para construir seus dogmas religiosos sobre relacionamentos e sexualidade, as denominações religiosas adotaram uma leitura bastante seletiva da Bíblia Hebraica.
Quando alguma coisa causa choque, como por exemplo, a ideia de obrigar um estuprador a se casar, sem divórcio, com a moça estuprada (Dt. 22:28-29), as religiões dizem que isso é um reflexo da realidade da sociedade daquela época.
Dizem o mesmo quando, por exemplo, percebem que o adultério nas Escrituras só existe para a mulher casada. Um homem casado que tivesse relações, por exemplo, com uma mulher solteira, não era considerado adúltero. (Lv. 20:10)
E assim o fazem com outros temas, tais como poligamia, concubinas, prisioneiras de guerra, filhas de pessoas pobres vendidas como esposas, etc.
Porém, quando interessa, pegam isoladamente versículos bíblicos aqui e ali e dizem que isso é a “Lei Universal e Atemporal do Eterno, válida em todo e qualquer contexto.” Pura hipocrisia!
Não há como você extrair ensinamentos isolados sobre relacionamento e sexualidade de uma sociedade agrária do antigo Oriente Médio de 3 mil anos atrás, onde a maioria das pessoas começava a vida adulta na adolescência, morriam aos montes por causa de guerras, fome, pestilência, e que aos 40 anos já eram bisavós, e onde mulheres e filhos eram praticamente propriedade dos homens, sem um mínimo de contextualização!
Na realidade, a Bíblia Hebraica tem sim muito a ensinar sobre relacionamentos e sexualidade. Para isso, porém, é preciso fazer um estudo sério. Esse estudo sério requer, antes de qualquer coisa, entender a realidade daquela sociedade.
E, principalmente: Entender o “antes” e o “depois”. Isto é, observar que mudanças a Bíblia Hebraica introduziu no comportamento comum daquela sociedade, para compreender o que realmente está sendo ensinado.
Claro, isso dá muito mais trabalho do que simplesmente ser dogmático. Mas, como as próprias estatísticas mostram, o dogmatismo não conduz ninguém a uma vida feliz e saudável.