Porque o Choro de Neymar Preocupa

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Não, querido leitor. Apesar do que possa parecer à primeira vista, este não é um texto sobre futebol, nem sobre o Neymar. Mas, pega gancho num episódio ocorrido hoje para falar de um assunto muito mais sério.

Ao final da vitória do Brasil contra a Costa Rica, num jogo difícil e definido apenas no finalzinho, uma cena chamou a atenção das câmeras: No centro do gramado, o atacante Neymar se ajoelha e cai no choro.

Até aí, nada demais. Nos mais de 30 anos que acompanho futebol, ja perdi as contas de quantas vezes vi jogadores chorarem, por diversos motivos. Mas, o que me chamou à atenção foi o que aconteceu logo em seguida.

Galvão Bueno, narrador da TV Globo, começou a narrar o que seriam os motivos do choro de Neymar. Dizendo que Neymar era um bom menino, afirmou que ele sabia que estava aquém do que havia projetado. E, a partir daí, continuo a dizer inúmeras outras coisas na mesma linha.

Enquanto isso, nas mesmas organizações Globo, porém agora no jornal, o editor de esportes Márvio dos Anjos afirmava que o gesto de Neymar foi puro ego. Ele teria se dirigido para onde estavam as câmeras e ido chorar porque estava com raiva do cartão amarelo que havia tomado.

Nas redes sociais, não faltavam outras teorias. Alguns afirmavam que Neymar estava entristecido com as críticas que havia recebido. Outros diziam que Neymar estava fingindo, como teriam sido fingidas as vezes em que caiu em campo simulando faltas. Houve até quem dissesse que Neymar estava chorando por causa da política brasileira!

A coisa chegou a níveis tão absurdos de especulação que eu levei 15 minutos até encontrar, em meio de tanta coisa, uma explicação dada pelo próprio Neymar sobre seu choro. Mas não sem antes passar por uma página, do Huffington Post, que listava nada menos do que 14 (sim, catorze!) teorias sobre o choro de Neymar!

Por fim, a explicação do próprio Neymar é que ele simplesmente chorou de alegria, aliviado com a vitória. Não sou particularmente simpático ao Neymar, ou mesmo aos jogadores de futebol em geral, mas não me parece ser nenhuma explicação absurda, diante das circunstâncias.

Mas você, querido leitor, deve estar se perguntando: O que tem isso a ver com a Bíblia Hebraica?

Como disse no começo, o choro em si é absolutamente irrelevante. O que assusta é ver a enxurrada de teorias e conjecturas que são tecidas como se fossem certeza absoluta. Falavam com tanta convicção que eu me pergunto se seriam capazes de ler a mente de Neymar.

Se isso fosse algo que afetasse simplesmente os jogadores de futebol, ou mesmo as celebridades em geral, eu estaria pouco preocupado. Mas, o que me preocupa é saber que nós fazemos isso o tempo todo!

Somos uma sociedade que está se acostumando tanto à exposição que já é impossível fazer um gesto ou dizer duas palavras sem que chovam interpretações e teorias sobre o que você está pensando, sentindo ou tentando comunicar.

E, na maioria das vezes, se as pessoas puderem pensar o pior a seu respeito, parece que escolhem a dedo para interpretar da maneira mais negativa possível!

Certa vez, quando ia escolher o futuro rei de Israel, o Eterno mandou o profeta Samuel à casa de Jessé. Ao se deparar com o primogênito de Jessé, Eliabe, Samuel se impressionou e disse: “Certamente está perante o Senhor o seu ungido.” (1 Sm. 16:6)

Porém, o Eterno ensinou ao profeta Samuel uma valiosa lição, dizendo:

“Não atentes para a sua aparência, nem para a grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o ETERNO não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o ETERNO olha para o coração.” (1 Sm. 16:7)

Cerca de 3 mil anos se passaram desde o episódio acima e parece que ainda não aprendemos a lição. Continuamos tecendo juízo de valores sobre as pessoas com base em quase nada além das aparências.

O mais engraçado, no exemplo, de Neymar, é que o erro aconteceu de parte a parte: Erraram tanto os que se colocaram a favor de Neymar quanto os que eram contrários a ele. Porque ninguém estava dentro da cabeça dele, então o que disseram nada foi além de pura fantasia.

Se não tomarmos cuidado, fazemos isso o tempo todo. Já perdi a conta de quantas vezes vi pacientes que não queriam dialogar com familiares porque “tinham certeza do que eles iam dizer”, só conversando depois de muita insistência. E depois vindo comentar: “Puxa, me surpreendi com a resposta!”

É preciso resistir à tentação de se enxergar como um deus presciente e capaz de ler pensamentos e adivinhar reações. Além de ser uma posição de pouca humildade, está fadada ao fracasso.

Se é para avaliar as palavras ou atitudes de alguém, seja sábio: Procure conversar para entender a pessoa. Quanto mais você ouvir do outro, melhor será para ter uma opinião verdadeira.

Ironicamente, aposto que haverá gente que, sem ler o texto, irá comentar achando que o texto fala sobre futebol ou sobre o Neymar. Só reforça a ideia da preocupante precipitação que existe nos dias de hoje.

E isso não tem nada a ver com o Neymar, ou com futebol, nem afeta apenas pessoas famosas. É questão de bom senso e pode afetar todos os dias de nossas vidas