Bíblia, Game of Thrones, Amor e Ódio

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“E disse o rei: Não há ainda alguém da casa de Saul para que eu use com ele da benevolência do Senhor? Então disse Ziba ao rei: Ainda há um filho de Jônatas, aleijado de ambos os pés.” (2 Samuel 9:3)

Davi amava Jônatas, filho de Saul, que foi seu melhor amigo. Por amor a ele, Davi ordenou que seu filho Mefibosete comesse sempre à sua mesa.

Não está totalmente claro se Davi tinha alguma intenção política com o gesto, embora seja isso improvável. No entanto, mesmo que acidentalmente, Davi acabou usando de uma estratégia brilhante.

A Casa de Saul certamente ainda se lembrava de seus tempos de glória, e seria esperado que em dado momento algum dentre seus filhos tentasse se levantar contra a Casa de Davi. Esse tema é explorado na famosa série “Game of Thrones”, que mostra uma descendente de um rei deposto buscando voltar à glória pregressa.

Porém, o gesto de Davi honrou a Casa de Davi. Comer à mesa do rei era uma honra para poucos. E, para a cultura semita da antiguidade, uma pessoa aleijada dos pés era considerada amaldiçoada, e frequentemente era até marginalizada.

A extrema bondade de Davi, resultante de seu amor por Jônatas, certamente acalmou os ânimos da Casa de Saul, que agora se lembraria favoravelmente de Davi.

Essa lição pode nos ajudar tanto a não cair em armadilhas quanto a melhorar a qualidade da nossa vida espiritual.

Sentimentos como ódio, raiva ou ressentimento frequentemente vêm de um amor frustrado, de um sentimento amargo de inferioridade ou frustração. E como lidamos com isso? Trocando a inferioridade pela honra e o ódio pelo amor.

Certa vez passei pela experiência de ter um rapaz numa posição que podia me prejudicar profissionalmente, pois falava negativamente da Psicanálise. Percebi que ele tinha por trás da amargura uma frustração. Ele se sentia inseguro porque alguns membros de sua família faziam análise e ele não.

Ao invés de responder ao ódio com mais ódio, separei uma vaga num curso que ia dar, e disse que ele seria meu convidado de honra. No curso, deixei-o livre para falar, e procurei dar atenção pessoal, tirando todas as suas dúvidas.

O resultado disso foi que ele passou de tóxico e venenoso a alguém que agora defendia a Psicanálise com unhas e dentes. Não só passou a recomendar meu trabalho, como ainda me indicou a vários de seus amigos!

Relatarei outro exemplo: Uma parente próxima descobriu que não podia ter filhos. Tentou a adoção, sem sucesso, pois no Brasil isso é algo bem burocrático. Vivia amargurada e profundamente infeliz.

Até que um dia descobriu que um orfanato perto de onde morava precisava de voluntários. Hoje, o amor que estava frustrado é realizado, mesmo que não totalmente. Ela orgulhosamente se diz mãe de centenas de crianças.

O que aconteceu com essas pessoas? O que motivou a mudança?

É simples: O objeto do ódio foi transformado em objeto de amor. E foi exatamente o que Davi fez, intencionalmente ou não.

É claro que nem todo ódio é amor frustrado, e nem sempre é trivial transformar a frustração em algo positivo. Mas, ainda assim, o esforço pode valer à pena.

Se você se depara com o ódio por parte de alguém, ou se você mesmo demonstra alguma amargura, reflita: Será que é possível transformar o ódio em amor, ou ainda a amargura em fonte de felicidade?

É importante refletir sobre isso, pois pode fazer a diferença tanto no seu relacionamento com outras pessoas, como em você mesmo.