O Judeu que Rezava no Banheiro

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Alguns anos atrás, um amigo judeu me relatou um situação curiosa. Ele chefiava uma fábrica no México, com literalmente alguns milhares de funcionários. Durante uma grave crise econômica, a fábrica apresentou resultados abaixo da média.

Nessa época, os acionistas pediram algumas reuniões bastante tensas, onde se discutia sobre possíveis demissões em massa. E ele, como chefe da fábrica, era pressionado por todos os lados, para efetuar os cortes tidos como necessários.

Por conta da pressão, muitas vezes ele ficava extremamente nervoso. Ele sabia que o destino de milhares de famílias estava em suas mãos. Mas, ao mesmo tempo, ele não podia errar. Porque se falasse qualquer bobagem, poderia comprometer o emprego de milhares de pessoas.

E o nervosismo extremo o levava a ter momentos de branco, nos quais a mente já não conseguia mais acompanhar o que estava sendo dito. Ou não conseguia produzir palavras quando precisava responder.

“O que fazer?” – Pensava ele. Foi quando teve uma ideia.

Na sala de reuniões havia um pequeno banheiro. Ele não teve dúvidas: Transformou o banheiro num local de oração. Quando ficava nervoso ou sem saber o que dizer, ele pedia um minuto e ia para o banheiro, onde orava. Ao orar, conseguia se acalmar e se concentrar no Eterno, buscando sabedoria quanto ao que dizer.

E foi assim que ele conseguiu salvar o emprego de mais de 3 mil chefes de família, durante aquela fase tão difícil.

O que talvez o leitor não saiba é que, para um judeu, orar no banheiro é tido como um desrespeito grave ao Criador. E isso é resquício da cultura semita.

No antigo Oriente Médio, os povos acreditavam que os deuses só habitavam em lugares limpos. Se um lugar estivesse sujo, a presença da divindade se afastava. Por isso, havia grande preocupação com o conceito de pureza cerimonial.

Por essa razão, um achado arqueológico dos tempos do rei Ezequias em Israel mostrou uma maneira curiosa encontrada pelos habitantes de Judá para eliminar o culto a Baal: Destruíram seu templo e instalaram, no que seria o santo dos santos de Baal, um vaso sanitário, para torná-lo um local de imundícia e, assim, profaná-lo.

A Bíblia Hebraica não inventou esse conceito, mas aceitou-o como uma realidade cultural dos israelitas. Por exemplo, é dito:

“E entre as tuas armas terás uma pá; e será que, quando estiveres assentado, fora, então com ela cavarás e, virando-te, cobrirás o que defecaste. Porquanto o ETERNO teu Senhor anda no meio de teu arraial, para te livrar, e entregar a ti os teus inimigos; pelo que o teu arraial será santo, para que ele não veja coisa feia em ti, e se aparte de ti.” (Dt. 23:13-14)

A razão é simples de entender: Se os israelitas pensassem que a Presença do Eterno se afastou do meio deles por causa de impureza cerimonial, iriam ficar apavorados, sentir-se-iam desmoralizados e provavelmente perderiam a guerra.

Como sempre costumo dizer em aulas e estudos: A Torá, a Instrução Mosaica, não foi dada no vácuo. Ela foi outorgada dentro de um ambiente cultural já existente.

Dito isso, muita gente ficaria horrorizada com esse amigo judeu. Acharia o que ele fez algo absurdo. Enxergaria a atitude exterior, sem levar em consideração o coração.

Mas vejamos um outro episódio curioso. Em dado momento, Davi e seus homens estavam famintos e vieram ao sacerdote Aimeleque. E pediram-lhe que desse a seus homens pão. E a Bíblia Hebraica relata o seguinte:

“Então o sacerdote lhe deu o pão sagrado, porquanto não havia ali outro pão senão os pães da proposição, que se tiraram de diante do ETERNO, para se pôr ali pão quente no dia em que aquele se tirasse.” (1 Sm. 21:6)

Pelas leis da Torá, Aimeleque jamais deveria ter dado a Davi e seus homens jamais o pão da proposição. Talvez isso fosse um pecado ainda mais grave do que orar num banheiro. No entanto, o Eterno nem mesmo se aborreceu com isso.

O que só mostra o quanto o Eterno não habita no dogmatismo.

As pessoas que logo condenam o gesto desse amigo judeu caem vítimas de um grave erro na forma de lidar com a fé: A de jamais considerar o propósito das coisas. Ou mesmo que o propósito pode mudar tudo.

No coração do meu amigo, não havia nenhum desejo de desrespeitar o Criador. Pelo contrário, só o desejo de fazer o bem.

Assim como no coração do sacerdote Aimeleque não havia desejo de profanar o Tabernáculo, mas sim de salvar a vida daqueles homens famintos.

Devemos sempre lembrar que as práticas religiosas são o pincel que nos permite pintar uma obra de arte. Mas, elas não são o quadro em si. E, às vezes, para fazer uma dada figura, é preciso usar as mãos, quebrar um pouco as regras, em prol de algo mais sublime.

Se não entendermos isso, jamais seremos livres em nossas almas.